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Vida & Ciências econômicas

Dezembro de 2009 Número 182

INTERESSE ORGANIZACIONAL DO COACHING INDIVIDUAL

POR PAULINE FATIEN

Mestre de Conferências,

IAE de Lyon/University of Lyon Management School

Artigos páginas 39 à 56

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Numa abordagem exploratória, este trabalho propõe uma compreensão do interesse focado no coaching individual nos dias de hoje nas empresas. Assenta em três estudos:

Uma análise da oferta mercantil do coaching, dizem estudos de caso onde o coaching é ora implementado (num gabinete de conselho para os seus associados), ora considerado (num site industrial para os seus gerentes). A partir das nossas análises, defendemos a seguinte tese: o interesse pelo coaching estaria ligado à sua maleabilidade que permite manter uma certa ambiguidade sobre as razões da sua mobilização por diferentes atores do dispositivo coaching, para responder às regras do «jogo» organizacional, assentando na mobilização do «eu». Esta maleabilidade coloca a prática em tensão entre os diferentes polos, abrindo espaço de poder nas organizações.

Grelhas de leitura, implicações de gestão do trabalho de tese, são apresentadas para destacar os diferentes interesses da implementação do coaching, implicando uma variedade de papéis desempenhados pelo coach nas organizações.

 

Introdução :

COMPREENDER O INTERESSE DADO AO COACHING, Prática E Tensão

Coaching para melhorar as suas relações amorosas, amigáveis, profissionais, mas também para estar mais em sintonia com o seu interior, o da sua casa e o seu exterior, o do seu físico… O coaching encontra-se hoje em dia «em todo o lado»

(Brugalières, 2005), o seu uso extensivo incluindo no entanto formas de acompanhamento muito variadas. Porém, atrás deste emprego federador, parece possível ouvir um apelo a uma necessidade de tomada de controlo da pessoa de hoje

(Boutinet, Denoyel, Pineau e Robin, 2007), e um acordo sobre a sua natureza

individual e mercantil. O coaching coloca-se então em simultâneo como «sintoma»  de dificuldades e  «símbolo»  de maneiras de os apreender, para repreender uma expressão de Boutinet (2004).

Esta solução causa nos dias de hoje debate. Para os seus adeptos, o coaching aparece como uma oportunidade de apoiar os gerentes face a um contexto organizacional inédito

(complexidade, incerteza), assinando a obsolescência de métodos mais tradicionais

(Albert e Emery, 1999). Os que interrogam a prática inclinam-se no profissionalismo dos coachs e o seu papel nas organizações. Entre os coachs «críticas», Fourès (2004) descreve as «derrapagens, abusos, fracassos» do coaching conduzindo a «estragos», Williams (2003) fala dos «perigos», Berglas (2002) dos «verdadeiros estragos» do coaching enquanto Desgraupes e Morin (2007) reconhecem «faces escondidas». Os universitários inclinam-se mais para os «limites» (Persson-Gehin, 2005) de uma prática, em «tensão» permanente quando tenta resolver 40 «paradoxos» organizacionais (Roussillon, 2002), não podendo abstrair-se de «efeitos perversos que confrontam a prática» (Amado, 2002). O recurso organizacional à interiorização de si foucauldiano pode ser visto como o apoio das asceses do desempenho (Pezet, 2007), transportando em empresa um poder «pastoral» de direção de consciência (Brunel, 2004). Radicaux, Gori e Le Coz (2006) não têm reservas em relação ao que consideram ser um novo utensílio de controlo social. Estes posicionamentos decididos só podem interrogar uma prática que parece definir-se pela negativa.

 (Dufau e Perdriset, 2005). Nessa paisagem contrastada quanto ao papel organizacional do coaching, esta tese tem como projeto compreender o interesse a priori crescente (Syntec, 2001; 2004) que lhe é dado, apesar dos avisos cada vez mais mediatizados.

Este trabalho inscreve-se na sua abordagem «compreensiva» para «abarcar o sentido» que os atores (cliente, coach, projetista, gerente) exprimem pelo coaching. De forma a apreender a sua complexidade, teorias complementares são mobilizadas: principalmente a sociologia das organizações (Amado, 2002), a psicologia do trabalho (Clot, 1999; Lhuilier, 2006), a sociologia do ator (Crozier e Friedberg, 1977) e a Teoria Neoinstitucional (DiMaggio e Powell, 1983). Três estudos compõem a investigação. A primeira assenta sobre a análise da oferta mercantil do coaching apresentada através de dois suportes: 44 sites de Internet de coachs selecionados em 2008 entre os 187 referenciados no anuário da primeira associação de coach (SF Coach) e 53 definições do coaching aparecidas na literatura de gestão entre 1992 e 2002, referenciadas por Sybil Persson-Gehin (2005). Este corpus foi analisado com a ajuda do programa NVivo segundo uma análise de conteúdo temático (Bardin, 1977) para colocar em evidência os benefícios do coaching e a forma como os coachs propunham atingi-los. Dois estudos de caso sobre o interesse dado ao coaching foram realizados nos setores onde o coaching parece mais representado (Syntec, 2001; 2004):os serviços e a indústria. Um estudo foi portanto conduzido no escritório parisiense de um gabinete de conselho internacional onde 7 associados escolheram fazer coaching. Outro foi realizado num dos sites industriais de uma empresa internacional sob o setor metalúrgico cuja direção solicitou-nos sob forma de contrato de investigação de um ano para refletir à pertinência da implementação para os executivos gerentes.

Esta síntese realça (1) as duas proposições da tese tiradas da literatura confrontadas aos três terrenos e (parte 1 – O coaching, uma resposta «maleável» às regras do «eu»), (2) as implicações gerenciais sob forma de grelha de leitura que orientam as partes interessadas ao coaching sobre o papel adotado pela prática e o interesse que lhe é prestado (parte 2 – Implicações de gestão: as tensões do dispositivo de coaching). Na tese defende-se que o coaching é uma prática maleável do facto das ambiguidades que ela transporta. O interesse que lhe é atribuído seria associado a essa propriedade maleável permitindo a cada um responder à sua maneira às novas regras do jogo organizacional.

.1 27 Definições são resultado de obras sobre o coaching, 13 de testemunhos ou plaquetas de praticantes, 6 da imprensa profissional, 4 da literatura de gestão, 3 da literatura académica.

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  1. O coaching uma resposta, « maleável »  às regras do « eu»

1.1. O coaching: uma resposta sob forma de controlo individual mercantil à evaporação das referências coletivas

O interesse relativamente ao coaching parece ligado a um contexto organizacional e mais largamente social, de evaporação dos referentes, maioritariamente coletivos e institucionais (família, escola, religião, chefia) que tradicionalmente ofereciam as ancoragens para se desenvolver pessoalmente e agir profissionalmente.

Face à mutação antropológica do que significa «ser uma pessoa hoje»

(Kaufman, 2005), os indivíduos, confrontados a uma «sociedade de risco» em que não podem prever o seu destino (Beck, 2001), são levados nos seus próprios recursos através de um «trabalho sobre eles mesmos» (Macquet e Vrancken, 2006) para responder à incerteza tornada norma (Palmade, 2003). O desaparecimento da empresa comunitária (Alexandre, 2003), significando um coletivo cada vez mais «contornado» (Amado, 2004), conduz a uma mobilização cada vez mais individual até mesmo psíquica (Aubert, 1994) para recorrer à busca em si às respostas aos desafios de um meio ambiente incerto e instável.

No quadro de declínio das instituições e coletivos de referência, o coaching em empresa parece oferecer ao indivíduo incerto (Ehrenberg, 1995) um espaço para enfrentar o jogo organizacional que o mobiliza cada mais individualmente assim como psiquicamente.

Daí a primeira proposta que formulamos:

1- O interesse para o coaching está ligado à apresentação de um meio ambiente caracterizado por novas regras do «eu» marcadas por uma evaporação das referências coletivas (sociais e organizacionais) face às quais o coaching aparece como uma resposta sob forma de suporte individual mercantil de si na empresa.

Os três estudos permitiram confirmar esta proposta e apontar o posicionamento do coaching como uma «resposta», este termo não se realçando de forma tao explícita na revista de literatura.

Este termo parece revelador de um contexto onde o «modelo do caixote do lixo» proposto por Cohen, March, Olsen (1972) se aplica particularmente bem: assim soluções e problemas coabitam, cada um indo se «emparelhar» sem a ligação evidente. Mas num contexto onde certas dificuldades organizacionais são facilmente interpretadas sob o prisma individual até mesmo psicológico, o coaching tende a aparecer como legítimo e pertinente.

A oferta mercantil posiciona o coaching como resposta adaptada, devido a uma tripla adaptação: adaptação do coaching ao contexto, para facilitar a adaptação do cliente, graças à adaptação do coach às problemáticas específicas do cliente. O discurso do coaching parece fazer-se o relé da descrição de um meio ambiente prescritivo, opaco e isolante que chama um ajustamento comportamental através da mobilização dos recursos pessoais.

Vemos que a mobilização subjetiva é totalmente transferida na oferta mercantil. O coach,

Enquanto pessoa exterior, aparece como aquele que vai esclarecer o cliente e o contexto; Esta associação do coach a uma luz ou um projetor, levanta a questão de eventuais poderes mágicos cujo coach seria dotado quando é capaz de ver as pessoas de forma diferente e de as ajudar a revelar a sua verdadeira natureza e de ver claro nos seus desejos.

Um meio ambiente não só exigente mas também ameaçador pode ser valorizado em dois estudos de caso.

No gabinete de conselho, o coaching é visto como um apoio alternativo aos dispositivos existentes que mostraram os seus limites para acompanhar as apostas específicas dos associados: a gestão das interações com as equipas, a estratégia individual a adotar para prosseguir a sua carreira, o sentido de dar ao trabalho etc.

O coach vai aparecer como um parceiro para otimizar a sua própria «parte» através da compreensão das regras de um jogo muito perspicaz e individualizante. Num sistema apoiado numa cultura organizacional de excelência e de desempenho que impõe uma progressão permanente, sancionado pelos pares (nomeadamente através do 360°), o «saber-parecer» é uma competência que parece a chave para evoluir.

Ela descreve a capacidade das pessoas em assegurar a sua promoção em interno e a responder aos códigos de conduta esperados. A necessidade do desenvolvimento desta competência, ligado à atividade de um gabinete, implicando gestões de si e das suas relações com outrem, é acentuada pelo «defeito de autoridade imediata» da qual são penalizados os consultantes (Henry, 1997). O coach deve então permitir ganhar novamente um certo domínio sobre o meio ambiente interno e exterior ao facilitar a compreensão do jogo a jogar 2.

No site industrial, o interesse pelo coaching provém essencialmente da direção que se interroga sobre a pertinência da prática para superar o que ela identifica como um defeito de competências relacionais dos gerentes que incidira no seu acompanhamento. Portanto o diagnóstico organizacional realizado junto de vários atores do site (55 entrevistas com os chefes de serviço, de ateliê, de serviço, o CHSCT -comité de higiene, de segurança e das condições de trabalho-, os sindicatos, médicos do trabalho etc.) reforça o valor de outros fatores explicativos ao não acompanhamento dos seus colaboradores pelos gerentes: sobrecarga de atividades, injunções contraditórias, incoerência entre avaliação formal e incitações informais … Estas dificuldades parecem estar ligadas a uma mudança de modelo organizacional que conduz a um declínio dos referenciais coletivos anteriormente fornecedores de referências: o próprio site, que até então tinha uma certa independência e fazia autoridade em relação ao mercado; as chefias, cada vez menos presentes no terreno para seguir a ação, apagadas atrás das suas telas de computador para responder às exigências de reporting.

A nossa análise leva-nos então a pensar que a implementação massiva do coaching não constituiria obrigatoriamente uma reposta adequada. De facto, representava primeiramente uma «rutura» cultural olhando para os suportes de ajuda no trabalho privilegiados pelos colaboradores, nomeadamente recursos organizacionais obtidos no coletivo e no emprego: troca com os pares no interior e no exterior do site, exemplaridade sobre as chefias, aprendizagem sobre o trabalho …

De seguida, contribuiria mais a contornar até mesmo ocultar a fonte

e levando mesmo a interrogar em que medida estamos dispostos a jogá-lo (o que pode levar a deixar o jogo, portanto a empresa) organizacional das dificuldades analisadas do que suportá-las. Pela negativa, este estudo testemunha então uma ligação entre o interesse pelo coaching e a mobilização subjetiva: aqui a mobilização subjetiva não é legítima e o interesse pelo coaching manifesta-se pouco junto dos colaboradores.

Face a este contexto de diluição dos pontos de referência assim como de referências coletivas que conduz a novas regras do «jogo» organizacionais, o coaching aparece então como uma «resposta», professada  (na oferta mercantil), implementada

(gabinete de conselho) ou encarada  (site industrial).

1.2. NA SOMBRA DO COACHING, UMA PLURARIDADE DE INTERESSES

Acabamos de ver que o coaching se vende como uma resposta adaptada ao contexto atual, tornando obsoletas as práticas de acompanhamento individuais (tutoria, aulas particulares, conselho) ou coletivas (formações, grupos ou pares). De facto, se a formação é reconhecida como oferecendo indistintamente «menus genéricos 3» (Tobias, 1996) sob a forma de «eventos» (Witherspoon e White, 1996) isolados e coletivos, o grupo podendo aparecer como inibidor (Amado, 2004), ao coaching é atribuída a vantagem da fornecer uma reposta «à la carte» para acompanhamento mais protegido e no tempo. Relação informal, com uma pessoa frequentemente mais experiente da sua empresa, o mentoring estabelece mais uma relação com o que podemos chamar de «modelo par-pai» do que com um profissional do acompanhamento (Garvey,2004). O conselho aparece, ele, mais baseado nas suas problemáticas organizacionais do que individuais, solicitando mais a opinião de um especialista que o ouvido de um parceiro (Sperry, 1993). No entanto, as fronteiras do coaching com as suas práticas primas, demonstram-se rapidamente concluídas e a prática define-se por defeito, estando «um pouco de tudo mas nada de tudo isso» (Alexandre, 2006). Esta subespecificidade é frequentemente interpretada na literatura como uma fraqueza do coaching, um elemento a corrigir. No entanto o nosso trabalho de tese leva-nos a submeter uma outra interpretação. Esta dificuldade em especificar o coaching pode explicar uma parte do interesse atribuído ao coaching quando favorece uma multiplicidade de interpretações do pedido de coaching, a colocar em perspetiva com o dispositivo de coaching ligando três até mesmo quatro atores: coach, cliente, representante dos RH e/ou gerente. Parece de facto que o fosco que rodeia o coaching dos atores dá um sentido particular ao seu pedido, tudo mantendo escondidas, até mesmo inconscientes, algumas das suas dimensões.

De facto, o dispositivo de coaching toma lugar num certo contexto, interligando várias partes.

O dispositivo de coaching é «oferecido» a um colaborador pela sua empresa no quadro do contrato de trabalho que os une. Mesmo se nas cartas de deontologia dos coachs, a aceitação voluntária do coaching é um pré-requisito, ele pode na realidade tratar-se de uma «submissão consentida» (Beauvois e Joule, 1987), na medida em que o contrato de trabalho expõe as duas partes a direitos e deveres. O colaborador pode de facto dificilmente recusar um contrato que lhe é «sugerido» tanto essa recusa é sujeita a interpretações. Uma das interpretações que o cliente pode fazer, é que a empresa lhe oferece um utensílio para se desenvolver, presente em 3 Tobias (1996) que fala de «one-size-fits-all» menus ou seja a ativação do contrato psicológico  (Rousseau, 1989). Por outro lado, o colaborador pode encontrar-se lisonjeado desta solicitude organizacional, o coaching manifestando a ativação do contrato narcísico  (Aulagnier, 1981) que interliga a pessoa e a organização.

Entre o coach e o cliente existe um contrato relacional mais ou menos forte segundo o investimento de cada uma das partes. Quando o cliente se dirige a um especialista de coaching, em busca antes de mais de técnicas para enriquecer a sua panóplia comportamental, dá de alguma forma uma interpretação contratual à sua relação. Em contrapartida, vem buscar um parceiro de trocas para uma tomada de distância em relação ao seu quotidiano, pode ser mais sensível à dimensão do dom na relação (Fustier, 2000).

De seguida, entre o coach e a empresa existe um contrato de negócios, tornando mais confusos o estatuto do cliente. Para quem trabalha o coach? O cliente, e/ou a empresa, até mesmo ele próprio?

Enfim, o coaching, como consideração individual mercantil de si, toma sentido em relação a um contrato social renovado onde dominam individualização e mercantilização da ligação social.

Esta exploração dos contratos unindo as partes do dispositivo de coaching permite realçar a pluralidade das interpretações dos contratos subjacentes a uma multiplicidade de interesses. Para além disso, no núcleo do dispositivo alojam-se contratos secretos, difíceis de atualizar pois ligados a uma multiplicidade de esperas conscientes e inconscientes que caracterizam os diferentes atores.

Figura 1:

Pluralidade de contratos unindo as partes do dispositivo de coaching

Assim a subespecificidade do coaching, longe de ser apenas o sinal de fraquezas de uma prática mal definida, pode ser interpretada mais positivamente como fator de ambiguidade, abrindo as condições a um jogo estratégico para as diferentes partes. Em particular o cliente pode utilizar até mesmo desviar o utensílio de uma utilização inicialmente concebida. Terá então feito um uso estratégico do coaching, concedendo-se um maior poder sobre os seus atos (Mendel, 1993). Atrás destas ambiguidades de uma prática, é possível marcar uma certa maleabilidade, metendo assim o acento na multiplicidade de formas de aproveitar o coaching.

Donde a formulação da segunda proposta:

  1. O interesse pelo coaching está ligado à associação da sua especificidade professada e da sua subespecificidade implícita, criando um fosco que permite manter ambiguidade sobre as razões da sua mobilização, autorizando então uma apropriação estratégica do coaching

Nos três estudos realizados nestas teses, esta associação de especificidade e subespecificidade do coaching encontra-se fortemente e contribui a criar ambiguidades sobre o que é o coaching e o que pode trazer.

A oferta mercantil professa uma prática específica devido ao seu ajustamento à pessoa, por medida em relação às apostas concretas. Esta especificidade vem também da descrição do processo de formulação da solução: é a própria pessoa que é apresentada como estando na origem; esta solução pode então ser única e o reflexo da pessoa

No entanto subespecicicidades aparecem: estão ligadas à heterogeneidade dos destinatários visados pela oferta (indivíduo, organização ou os dois), a esfera alvo (pessoal e/ou profissional), a multiplicidade dos objetivos apresentados e benefícios implementados são aliás partilhados por outras práticas de acompanhamento (como constituir um espaço protegido favorável a um retrocesso). Enfim, a muito forte heterogeneidade das naturezas professadas da intervenção do coach, implicando degraus fracos de diretividade, convocando diferentes figuras de clientes (da pessoa a um recurso) reenvia a diferentes teorias variadas que não contribuiu à legibilidade da prática.

No gabinete de conselho, as especificidades professadas são próximas das formuladas na oferta mercantil: pragmatismo de uma ajuda centrada na pessoa. O acento aqui está posto na especificidade e singularidade do coach : os associados escolheram um coach preciso e apreciam a sua personalidade. Frequentemente escolheram mais uma pessoa para trocar com ela, do que fazer coaching, que alguns confessam não saberem bem do que se trata exatamente. Assim, quando exprimem as suas dificuldades em definir a prática e a captar as fronteiras, nomeadamente em relação à terapia, os associados fazem parte da «nebulosa» (Paul, 2002) na qual o coaching se inscreve.

Parece que no site industrial, a ambiguidade do coaching tenha cristalizado interesses à volta do que esta prática misteriosa, possuindo um crédito positivo, podia trazer. A análise do interesse atribuído ao coaching permite realçar uma multiplicidade de níveis de comando. Ao mesmo tempo explícito (melhorar o relacional, compreender o que é o coaching, conhecer as práticas de outras empresas sobre esse assunto) e implícito (motivar os quadros, fazer prova e ativismo, ter uma melhor legibilidade sobre dispositivos de acompanhamento existente), cada nível mobilizava um tipo particular de interveniente (técnico, especialista, consultor, investigador) no qual são projetados resultados específicos (Guienne-Bossavit, 1994). Em particular, consta que o interesse que uma direção manifesta pelo coaching pode por um lado revelar as suas próprias necessidades de acompanhamento e por outro lado desviar assuntos sobre os quais ela não parece querer debruçar-se.

A solução técnica do coaching pode aparecer como um meio de economizar uma análise mais aprofundada das mudanças organizacionais que vive o site.

O coaching pode reunir as pessoas graças a diferentes «agendas» das quais algumas ficariam escondidas. Seriam não explícitas pelos seus protagonistas, até mesmo ignoradas no início ou durante a duração do coaching.

Implicações gerenciais: as tensões do dipositivo de coaching

2.1. Reconhecer os diferentes níveis de comando

A maleabilidade do coaching, proposta principal do nosso trabalho, como resposta à alteração das regras do jogo organizacional que mobiliza cada vez mais a subjetividade, leva a colocar o acento na multiplicidade dos interesses que levam a interessar-se pelo coaching.

Propomos uma grelha de leitura sintetizando os interesses atribuídos pelo coach por um lado e pela empresa por outro lado. A partir dos nossos três estudos, organizamos esses interesses à volta de dois axes: visado do coaching (de alguma forma funcional ou existencial) e natureza da ajuda (ligada ao dispositivo ou ao conteúdo do trabalho com o coach).

Assim uma pessoa que atribui a sua atenção ao coaching pode fazê-lo no sentido de apoiar e desenvolver a sua empregabilidade (conteúdo – perspetiva funcional), este recurso será facilitado se a empresa colocar à disposição este serviço que se torna cada vez mais natural pois banalizado na empresa. O colaborador aproveita então uma oferta «estandardizada» (dispositivo-precetiva funcional). O coaching pode também representar uma oportunidade de melhor consciência de si mesmo. (conteúdo – perspetiva existencial) e faz parte dos benefícios pessoais que o indivíduo pode tirar de uma prática oferta num quadro profissional. O coaching torna-se então o lugar e tempo para o desenvolvimento de si, que o colaborador submetido, tocado pela atenção particular que lhe atribuiu então a «sua» empresa; irá interpretá-lo como o sinal da solicitude organizacional (dispositivo – perspetiva existencial).

Estes mesmos eixos podem ser indicados para identificar os objetivos perseguidos por uma organização que «oferece» um coaching aos seus colaboradores.

O acompanhamento que o coach fornece em matéria de desenvolvimento das competências do colaborador em ligação com o seu trabalho inscreve-se numa ótica de « desenvolvimento »  (conteúdo-perspetiva funcional). Este conteúdo oferecido pelo coach, se se focaliza menos no trabalho mas é alargado a uma perspetiva mais global integrando dimensões existências toma lugar mais de « recurso » (conteúdo -perspetiva existencial)  para o colaborador que renova a sua maneira de apreender a sua carreira e a sua vida.

Enquanto sinal de ativação do contrato psicológico, o dispositivo de coaching pode permitir « fidelizar»  (dispositivoperspetiva funcional)  o colaborador, tranquilizado dos esforços que a sua empresa realiza para manter as suas competências. Se o trabalho com o coach não é forçosamente baseado nas dimensões funcionais, o dispositivo pode ser um meio de valorizar um certo colaborador, de o distinguir e de o recompensar. O coaching inscreve-se então num objetivo de reconhecimento (dispositivo-perspetiva existencial).

Figura 2:

Grelha de leitura dos interesses atribuídos ao coaching pelo cliente e a empresa

2.2. DIAGNOSTICAR OS DIFERENTES DESAFIOS DE UM PEDIDO DE COACHING

Como para toda a prática, o recurso ao coaching pode explicar-se pelo facto que a dada altura é uma moda (Thévenet, 2003). O interesse que lhe é atribuído é então mais mimético do que estratégico. No entanto, o nosso trabalho sublinha a importância da integração estratégica do coaching a um dispositivo de acompanhamento existente. Assim no gabinete de conselho, o coaching foi posicionado enquanto complementar em relação a formações existentes.

No site industrial, o contrato que abordámos com o site testemunhava certamente a vontade de não ser influenciado cegamente por uma moda, e permitia refletir na sua verdadeira utilidade. Assim, ao apoiarmo-nos particularmente nesse estudo, podemos destacar algumas questões «críticas» que permitem esclarecer o recurso ao coaching: