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Definição do medo e do medo do palco

Medo define-se ” como um sentimento de angústia sentido em presença ou no pensamento de um perigo real ou suposto. Apreensão que leva a fugir ou a evitar essa situação.” (Dicionário Larousse., (2003). Resumindo, é um estado emocional stressante e segundo o site Psychologies “frequentemente acompanhado por reações fisiológicas: tremor, suor, dores de barriga ou de estômago, aceleração do pulso.”

RICQIER M. descreve o medo de palco como “um sentimento que causa sintomas precisos que vão inibir, paralisar o orador, o que provoca os tremores, as palpitações, a boca seca, as mãos suadas, o nó no estômago ou na garganta, o espírito confuso, os lapsos de memória” (p.5). O medo do palco é para muitos, um problema extremamente doloroso e terrivelmente frustrante. No seu manual CARNEGIE Dale “Como falar em público”, escreve à intenção dos estagiários, CARNEGIE descreve os diferentes efeitos do medo do palco, no entanto encontramos frequentemente as expressões tais como “Quando sou chamado para falar, fico tao preocupado que não posso pensar claramente, nem me concentrar, nem me lembrar do que tinha intenção de dizer.” (p.13):
CARNEGIE D. cita igualmente um homem que se dirigiu a uma conferência de informação sobre a arte de comunicar. Ao avançar até à porta da sala, parou. Ele sabia que se entrasse e se se inscrevesse no curso, ele teria, mais cedo ou mais tarde, de proferir um discurso. A sua mão contraiu-se no punho da porta e não conseguiu entrar. Ele virou os calcanhares e deixou o hotel. Foi somente cinco anos depois que este homem encontrou a coragem de regressar.

1.1 Como funcionam o medo, o medo do palco e quais são as suas fontes?

CARNEGIE D. cita na sua obra que as estatísticas realizadas nas universidades revelam que 80% dos estudantes inscritos nos cursos de eloquência têm o medo do palco no início. Estes valores são ainda mais elevados nos adultos. O que faz com que a maioria tenha medo de falar em público e como funciona o medo? (p.32)

Talvez nos lembremos da aula de biologia onde estudamos o cérebro humano. Aprendemos que a aparição de um perigo pela visão de uma forma estranha ou de um som ameaçador, os nossos sentidos captam estas mensagens e enviam-nas ao tálamo que os transmite diretamente à amígdala ou envia-os ao córtex sensorial. A amígdala é essencial à nossa capacidade de sentir. Identifica entre os dados os que pressentem uma ameaça. Esta previne em algumas décimas de segundos, no caso de o acontecimento ser perigoso, o hipotálamo que manda ao organismo colocar-se em alerta mesmo se ainda não temos consciência do perigo. O nosso coração começa então a bater mais rápido e os nossos pulmões enchem-se com mais oxigénio.

A amígdala permite-nos então reagir quase instantaneamente à presença do perigo. É somente após ter enviado estas mensagens ao córtex visual e auditivo que o tálamo evolui e adquire um significado. Se esta informação é ameaçadora, a amígdala é avisada e produz uma reação emocional apropriada.

O nosso corpo reage portanto ao exprimir o medo do palco ligado ao medo do julgamento de outrem pela sua emotividade, no plano psíquico e no plano psicológico por manifestações tais como tremores, choros, palpitações, suores e rubores. A ansiedade infundada localiza-se na garganta, na região do coração, ou no estômago. O mais visível dos sintomas motores é o tremor que afeta os braços, as mãos e a barriga das pernas. Em alguns casos, generaliza-se até ao conjunto do corpo.

FRANKL V., psiquiatra e autor de “Descobrir um sentido da vida” explica na sua obra que o medo provoca o efeito que apreendemos. Acrescenta que é a híper-intenção que nos impede a realização do desejo. Observou a vida nos campos de concentração e constatou que os sobreviventes não eram os mais fortes nem os maiores mas os que tinham um projeto, nomeadamente os que eram capazes de se projetar no futuro e que tinham planos significativos para este. Esta constatação fez nascer uma teoria que segundo FRANKL V. pode aplicar-se noutras condições. Os que têm um projeto ou dão um sentido à sua vida escapam às nevroses e outros problemas psicológicos. RICQIER M. explica que ao nível do nosso subconsciente guardamos informações negativas, como analisado mais longe na parte 1.3 «O estado pessoal sobre o duplo registro mental e físico» do presente trabalho, que estão bem enraizadas. (p.120) No entanto, a origem das informações importa-nos pouco. O que é realmente importante é o que influencia as nossas emoções.

Uma emoção, por mais mínima que seja, tem a particularidade de aumentar a atividade das glândulas sudoríparas que se encontram debaixo da nossa pele. É o que explica o sintoma das mãos suadas derivado do medo do palco, ou a transpiração excessiva de certas pessoas quando estão stressadas. Este aumento de sudação pode ser medido pela condutividade elétrica da pele: quanto mais húmida estiver a pele, mais a corrente passa e inversamente. Pequenos aparelhos GSR podem quantificar esta situação, portanto medir a importância do stress.

1.2 A inscrição no contexto

Quem de entre nós nunca foi confrontado a situações de medo? Talvez nos lembremos da última vez em que o nosso carro escorregou e passamos de raspão por outro carro ou de um filme de terror que nos assustou ou ainda de uma cirurgia que queremos adiar. Estamos provavelmente conscientes de que as fontes do medo podem variar entre uma situação vivida, uma situação vista e uma situação antecipada. Como explica GOHIN M. psicólogo em Lyon “esta capacidade de sentir medo faz parte integrante da nossa condição humana.” Ela acrescenta que, “Os psicólogos sociais definem o medo como a reação a um medo claro e presente, mas não conseguem chegar a um acordo no que diz respeito às origens do medo. Para alguns, o medo e a ansiedade são estados inatos. Para outros, trata-se de uma aprendizagem por interação com o meio ambiente. Para outros ainda, o medo e a ansiedade, tal como outros estados emocionais, são o resultado das respostas psicológicas a estímulos ambientais.”.

GOHIN M. explica que para ela “são certas crenças (ou cognições) erróneas que levam à ansiedade. Muito frequentemente os estados de ansiedade são baseados em crenças que não correspondem à realidade, mas que, apesar das provas contrárias acabam por se articular com outras crenças e formar um sistema funcional”.

Se esta explicação cognitiva se verifica para os estados de ansiedade generalizada, tais como as fobias, revela-se igualmente pertinente nos estados de medo e de ansiedade ligados a um episódio de vida particular, como um exame ou a experiencia de falar em público. Peguemos o exemplo de um estudante que tem de apresentar a sua dissertação frente a um júri. Quanto mais se aproxima a data do exame, mais ele fica nervoso e deixa-se invadir pela informação dada pelo meio ambiente (pais e instituição). Para ele, é importante obter boas notas com vista ao sucesso escolar.

Resumindo, “as crenças paralelas são construídas a partir do meio ambiente: a pressão familiar, as experiências passadas, o contexto escolar e o meio ambiente afetivo. Interligadas, irão formar um sistema cognitivo particular e individual ”. (GOHIN M., 2012)
Neste contexto, o medo que o orador sente, pode tornar-se num verdadeiro calvário. Talvez tenha medo do olhar para o público ou que o público intervenha num momento inoportuno e coloque uma pergunta à qual não haveria resposta.

Segundo CARNEGIE D. existe outra causa para o medo de falar em público. Vem simplesmente da falta de hábito. «O medo é feito de ignorância e de incerteza» declarou o professor ROBINSON (citado por CARNEGIE). O medo está ligado ao que pode acontecer no futuro, sabendo que a escala do tempo é variável. O futuro pode ser daqui a um minuto ou daqui a um ano. No nosso contexto, o facto de termos de nos apresentar em algumas palavras aquando um seminário por exemplo, pode fazer-nos sentir medo. Assim que a nossa vez se aproxima, sentimos uma tensão aumentar e as nossas mãos ficam suadas. Porquê? Porque não estamos habituados e reproduzimos experiencias do passado e transpomo-las para o futuro.

1.3 O estado pessoal sobre o duplo registo mental e físico

O escritor TCHEKOV A. disse: “O homem é o que ele pensa”. Qual a relação entre o nosso estado mental e físico?

De forma a poder nomear e memorizar as experiências do nosso corpo, teremos, como explica RUIZ C. de «situar o que está registado e discernir o que é físico do mental, então tomar consciência dos dois é indispensável». RUIZ C. acrescenta: «tomar consciência da «Mente», é aperceber-se que não me resumo somente a este corpo».
Consideramos que a nossa mente é a central, a que comanda e dirige. De facto, está à origem das nossas ideias e dos nossos pensamentos. Assim, é importante saber que o corpo e a mente são regidos pelo princípio de ação-reação.

RUIZ C explica que como «o cérebro não é isolado do corpo, esta tensão mental vai produzir uma tensão muscular e uma produção de endorfinas e/ou de encefalinas na nossa cabeça. A tensão muscular resultante, onde quer que esteja vai perturbar o equilíbrio do esqueleto, que vai tender a reequilibrar-se a partir da coluna vertebral, com em baixo o plano da bacia, em cima, o plano maxilar e o plano ocular. Esta tentativa de correção vai-se traduzir por outras tensões musculares, uma alteração da respiração, e de outras tensões musculares.».
É portanto essencial que os nossos pensamentos sejam positivos.

A causa da angústia pode influenciar o nosso físico. «Face a uma solicitação ou alguém que quer assumir apesar da incerteza de conseguir, a pessoa angustia-se. Então o cérebro comanda o organismo de produzir mais adrenalina. A descarga de adrenalina traduz-se por uma aceleração do ritmo cardíaco e da respiração, um aumento da transpiração, e até a um tremor das mãos e dos joelhos assim como uma voz trêmula». (THE WATCHTOWER, 2001, p.135) Dito de outra forma, o corpo tenta ajudar a gerir a situação ao renovar a energia. A dificuldade consiste em canalizar este influxo de energia para uma reflexão construtiva e uma apresentação entusiasta.

Constatamos igualmente que a nossa mente tem dois valores, um superior e a outra inferior. A parte superior é aquela que constrói, edifica e nos motiva a lutar. Sem esta atividade não poderíamos existir. Em contrapartida, quando a nossa mente está em perfeita harmonia com as nossas ideias, os nossos pensamentos, o nosso coração torna-se enérgico, até mesmo criativo. A parte inferior da nossa mente é em contrapartida exatamente o oposto; ela é destrutível, impressa de negatividade, ela dramatiza, julga, critica e culpabiliza-nos. Talvez nos tenhamos já dito esta frase após uma intervenção em público “medíocre” segundo o nosso ponto de vista. “Eu sabia, nunca conseguirei estar à vontade.”

Esta última (parte inferior da nossa mente) grava todas as informações que lhe chegam. É por isso que parece essencial estar vigilante no que diz respeito à quantidade de mensagens que lhe fazemos chegar. Se a nossa experiência no domínio da tomada de palavra em público é negativa, podemos afirmar que teremos instintivamente medo de situações futuras onde teremos novamente de falar em público. As reações como o coração que palpita e as mãos suadas voltarão e amplificar-se-ão. Tal como explica JACCARD D. «Consideramos o nosso futuro à imagem do nosso passado.»

Será portanto esta parte da mente que iremos observar e trabalhar de modo a transformá-la em toda a humildade. Assim, falaremos sobre a atitude mental a adotar para poder falar em público.

DEFFRENNES S., cita GALLWEY T., professor, especialista do ténis e do golf, pedagogo em Harvard que realizou um trabalho sobre o estado interno do jogador e “o adversário que comporta”. Foi entre os primeiros a colocar no ponto um método simples e detalhado, à volta das duas noções chave: a posição mental e a tomada de consciência do jogo interior. WHITMORE J. escritor do livro “O guia do coaching e fundador do ramo inglês «Inner game» reconhece brevemente a sua contribuição e cita-o por ter apontado para a essência do coaching.

GALLWEY T. explica-nos que um coach consegue levar o seu aluno a levantar ou controlar os obstáculos interiores que o impedem de atingir o seu nível ótimo de desempenho, o potencial natural deste aluno manifestar-se-á sem que este necessite de um grande apoio. Introduziu a abordagem do «jogo interior» entre o «eu mental» que dá ordens, que julga e limita e o «eu inato» que executa.

Outros falarão de Cérebro Direito e de Cérebro Esquerdo. DUCASSE François, no seu livro «Campeão na cabeça» falará do «Mestre» e de «o Artista». Estas duas personagens estando intimamente ligadas ao corpo.

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1 – http://www.larousse.fr/dictionnaires/francais/peur/60046 (consulté le 21/12/2012)
2 – http://www.psychologies.com/Dico-Psycho/Peur (consulté le 21/12/2013)
3 – RICQUIER M., (2008), Vaincre le trac grâce à une meilleure connaissance du fonctionnement mental, p. 5, Guy Tredaniel
4 – CARNEGIE D. (1962), Comment parler en public ( p.13 ), Nouvelle édition Dorothy Carnegie, Hachette, 1990
5 – CARNEGIE D. (1962), Comment parler en public (p.32) Nouvelle édition Dorothy Carnegie, Hachette, 1990
6 -LEDOUX J., (1998) The emotional brain, Weidenfeld & Nicolson, Robert Laffont,
7 – Source photo : http://memoiretraumatique.org/psychotraumatismes/origine-et-mecanismes.html (consulté le 28/04/2013).
8 – FRANKL V., (2005 ) Découvrir un sens à sa vie: avec la logothérapie, Editions de l’Homme
9 – RICQUIER M., (2008), Vaincre le Trac grâce à une meilleure connaissance du fonctionnement mental, Guy Tredaniel
10 – GSR = Galvanic Skin Response – Réponse galvanique de la peau
11 – GOHIN M. psychologue à Lyon, http://www.blog-psychologue.fr/article-la-peur (consulté le 21/12/2012)
12 – GOHIN M. psychologue à Lyon, http://www.blog-psychologue.fr/article-la-peur (consulté le 21/12/2012)
12 – http://www.pressenza.com/fr/2013/02/relation-entre-la-sante-et-le-mental/. Consulté le 15/03/2013
14 – «registrer» est l’action consciente d’enregistrer
15 – «Enképhaline» vient du grec enkephalos
16 – THE WATCHTOWER (2001) Ecole du ministère, Watch Tower
17 – JACCARD D. , coach de vie et formateur, site, http://www.denisjaccard.ch/pdf/les_peurs.pdf (Consulté le 18/03/2013)
18 – DEFFRENNES S., coach consultante, site, http://www.acson-coach.com/art_innergame.html(Consulté le 18/03/2013)
19 – GALLWEY T. (2011), The Inner game of Work; Edition Random House Trade paperback
20 – WHITMORE J., (2008), Le guide du coaching – 4° édition revue et augmentée, Maxima, Laurent de Mesnil
21 – Inner game = La société de GALLWEY T. fondée aux U.S, en français = le jeu interne